Trabalho dobrado com a nova Lei das S/A

José Santiago da Luz A história da regulamentação das normas contábeis no Brasil não é extensa. Embora as primeiras regras tenham sido criadas em 1940, as alterações e atualizações mais profundas foram poucas. Apenas duas podem ser consideradas as mais importantes. A de 1976 representou uma verdadeira revolução. Já a mais atual, de dezembro de 2007, ainda suscita muitas dúvidas e se refere às demonstrações contábeis que introduziram novos conceitos na legislação societária brasileira. Certamente este é o primeiro passo para a convergência com as normas internacionais, fato que já ocorre na União Européia (UE), em conjunto com muitos outros países que adotam as normas do International Accounting Standards Board (IASB). Esta é a boa notícia da Lei 11.638/07, conhecida como Nova Lei das S/A. A outra não é tão boa assim, já que vai exigir muito trabalho e profissionalização de contadores, auditores e afins. E o trabalho já começa dobrado. Devido à segregação entre lei tributária e normas contábeis, estes profissionais terão que confeccionar dois balanços a partir de agora. Em julho de 2007, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Instrução 457, já havia determinado que as companhias brasileiras de capital aberto passassem a elaborar as demonstrações contábeis consolidadas com base nos International Financial Reporting Standards (IFRS) a partir do exercício de 2010. Para ratificar e facilitar o cumprimento desta regra, a Lei permite a segregação entre a lei fiscal ou especial e normas contábeis. Isto poderá ser feito no próprio livro diário, ou seja, a empresa efetua os registros conforme os critérios fiscais, levanta o balanço e resultado fiscal para efeito de tributação dos impostos, que servirá especificamente para o governo. Após este balanço efetuam-se os ajustes contábeis para levantamento das demonstrações contábeis societárias, inclusive com os ajustes para harmonização com as normas do IFRS, que não poderá ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer efeitos tributários. Em resumo, a partir de agora serão feitos dois balanços, um para efeito fiscal e outro para fins societários em conformidade com as normas internacionais. Para isto será necessário efetuar todos os registros, durante o exercício, no diário e razão ou em livros auxiliares - com base em critérios aceitos pela legislação fiscal - e levantar o balanço fiscal. Em seguida, devem-se efetuar os devidos ajustes para a obtenção das demonstrações contábeis societárias. As disposições de natureza puramente contábil introduzidas pela nova legislação foram feitas visando apenas à internacionalização das normas e não para se obter efeitos fiscais. Mas não se trata de contabilidade informal, será realmente preciso fazer duas contabilidades - uma de efeito meramente fiscal, que não se mistura com o balanço societário. A parte mais difícil, acredito, não será o trabalho dobrado, mas sim mudar a cultura das empresas e dos profissionais da área contábil. Outro aspecto importante da Lei 11.638/07 é que ela se estende às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações. Assim, aplicam-se à elas as disposições da Lei 6.404 sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na CVM, sendo elas as com ativo maior que R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões. Mais trabalho, as companhias que antes não se preocupavam com a elaboração de balanços e auditoria, por não ter capital aberto, terão que fazê-lo a partir de agora. Passada a tempestade inicial causada por qualquer mudança, caminhamos rumo à transparência e à credibilidade, o que abre portas para companhias brasileiras no cenário mundial. Contadores e auditores que se preparem, pois cabe a eles a importante missão de consolidar no País as rígidas normas internacionais. José Santiago da Luz, auditor e sócio-diretor da RCS Brasil, São Paulo