Mesmo com novas regras, FAP ainda é dor de cabeça para empresas

A medida entrou em vigor em janeiro e os questionamentos não demoraram a surgir.

Apesar de ter sido idealizado para tornar mais justa a cobrança do seguro sobre acidentes de trabalho, o FAP (Fato Acidentário de Prevenção) acabou se tornando uma nova fonte de problemas para as empresas. A idéia original era estabelecer valores mais baixos para empresas e setores menos suscetíveis a acidentes —incentivando companhias que investem em prevenção e segurança— e, por outro lado, cobrar mais das empresas com índices de acidentes e doenças do trabalho acima da média. As dificuldades aparecem quando as empresas se sentem prejudicadas com o índice estabelecido para elas pelo Ministério da Previdência. 

A medida entrou em vigor em janeiro e os questionamentos não demoraram a surgir. Advogados e sindicatos patronais contestam, por exemplo, o aumento das alíquotas para empresas que omitirem acidentes, a falta de acesso aos fatores individuais de cada companhia —que determinam o impacto do FAP sobre a folha de pagamento— e a própria competência jurídica do CNPS (Conselho Nacional de Previdência Social) para fixar os índices por meio de uma resolução. 

Criado em 2003 pela Lei 10.666, o FAP teve seu cálculo regulamentado pelo CNPS em 2009. O fator institui os valores de 0,50 a 2,00, que consideram critérios como freqüência e gravidade das ocorrências e são multiplicados pelas alíquotas correspondentes ao grau de risco de cada setor econômico —de 1%, 2% ou 3% sobre as folhas de pagamento. Na prática, o cálculo poderia reduzir pela metade ou dobrar o valor pago no SAT (Seguro de Acidente de Trabalho). 

No entanto, após receber aproximadamente 7 mil contestações administrativas e ser acionado na Justiça por cerca de 350 empresas e associações representativas do empresariado, o Ministério da Previdência se viu obrigado a alterar o FAP, com a Resolução 1.316, publicada pelo Diário Oficial da União no dia 14 de junho. Uma das principais mudanças é que, a partir de 1º de setembro, o desconto de 50% na alíquota do SAT será automaticamente aplicado às empresas que não registrarem nenhum tipo de acidente. A medida beneficiará por volta de 350 mil das 952.561 companhias que passam pelo cálculo, e promete reduzir o chamado Custo Brasil, que consome todo ano R$ 56 bilhões (1,8% do PIB brasileiro), em decorrência de más condições de trabalho. 

Para combater a subnotificação dos acidentes, outra nova medida vai dobrar as alíquotas pagas como SAT caso fique comprovado, por meio de fiscalização, que o empregador não fez algum CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho) ao Ministério da Previdência. O Conselho da Previdência também aprovou a manutenção em 2011 do desconto de 25% às companhias que tiveram alíquota maior que 1% ou aumento no preço do seguro devido à aplicação do FAP, exceto àquelas que registrarem morte ou invalidez acidentária. Os acidentes ocorridos durante o trajeto para o trabalho foram retirados do cálculo. 

O diretor nacional de Saúde Ocupacional do Ministério da Previdência, Remigio Todeschini, alerta que se as empresas não fizerem corretamente o preenchimento eletrônico da GFIP (Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia e Informações à Previdência Social), receberão automaticamente FAP 1,5 em 2012 —ou seja, terão alíquota 50% maior do que a definida para seu setor econômico. Se a sonegação de informações persistir, o fator passará a 2,00 no ano seguinte, dobrando o valor do SAT. Segundo Todeschini, como a implantação do cálculo começou neste ano, as 180 mil empresas que não preencheram a guia receberam fator igual a 1,00. 

Críticas 

Mas, para o advogado Leonardo Mazzillo, especialista em direito tributário e membro da 2ª Câmara Julgadora do Conselho de Tributos e Multas de São Bernardo do Campo, os contribuintes devem continuar questionando a cobrança que está sendo feita entre janeiro e agosto de 2010. Ele afirma que a concessão do desconto de 50%, sem necessidade de cálculos, às companhias que não tiverem registrado acidentes é uma “verdadeira confissão” do erro na fórmula. “Por isso, as empresas teriam direito de pedir a restituição desse valor”, disse. Do outro lado, Todeschini considera que esse tipo de ação já nasceria morta, porque a norma não seria retroativa. 

Segundo Mazzillo, mesmo não tendo registros de acidentes no período analisado para o FAP, pelo menos 15 de seus clientes, de ramos como comércio, indústria e holdings, conseguiram descontos no SAT de no máximo 15%. O advogado diz que seu escritório foi o primeiro a utilizar a tese do erro no cálculo que impossibilita a maior redução prevista, de 50%, e obteve cinco liminares na Justiça Federal contra a cobrança. "Posso tratar os contribuintes desigualmente, mas na medida da desigualdade. Se o cálculo estatístico é defeituoso, viola o princípio da isonomia tributária", afirma Mazzillo. 

Outro motivo de preocupação, segundo o especialista, é o aumento das alíquotas para as empresas que omitirem acidentes. “Vão punir a empresa, independentemente do número de casos omitidos. Isso não só é absolutamente inconstitucional como também atenta contra o princípio de tributo, que não pode ter natureza punitiva”, destaca. 

Já o advogado Janilton Lima, defensor da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), que ajuizou ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a metodologia, diz que outra briga é para ter acesso ao FAP individual de cada empresa. Para ele, o fato de os valores não serem divulgados dificulta a defesa contra o fator que lhe foi atribuído, já que o cálculo também leva em consideração as médias de acidentalidade de cada setor. 

Ele concorda que a previsão de aumento das alíquotas, a partir de setembro, para empresas que omitirem acidentes é inconstitucional, mas afirma que a subnotificação será um suicídio. Isso porque, mesmo não emitindo o CAT, o trabalhador pode procurar atendimento médico por conta própria, e o caso será comunicado ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). 

As mudanças no FAP tampouco afetam a argumentação sustentada na ADI, questionando o artigo 10 da Lei 10.666/2003, que introduz o fator. Apesar de prevista na lei, a cobrança seria inconstitucional, pois a criação de sua metodologia foi delegada ao Poder Executivo, que a instituiu por meio de decretos e resoluções. A competência para definir as alíquotas dos tributos seria de exclusividade do Legislativo. 

O diretor-executivo da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Dary Beck, afirma que outra barreira à implantação do FAP é a baixa qualidade de dados estatísticos na área, com poucos números sobre doenças e acidentes ocasionados pelo trabalho. Ele disse que as centrais sindicais também vão continuar pressionando o governo para que seja liberado o acesso aos fatores individuais de cada empresa. “A proibição impede que os sindicatos façam uma boa fiscalização. Estamos conversando para ver se isso é cabível, dentro da questão do sigilo fiscal”, disse. 

Mas Todeschini, diretor da Previdência Social, já descartou a publicação dos fatores, pois o Código Tributário Nacional impediria a divulgação fiscal. “Entre os concorrentes, isso seria uma guerra. Pergunte a um advogado de empresa se daria para abrir a sua conta bancária. Isso é uma garantia de sigilo às empresas, que têm todos os elementos para fazer a comparação média com seu setor”, afirmou. 

Se Beck critica a falta de dados, o advogado Paulo Pastore, ex-presidente da Comissão de Seguridade Social e Previdência Complementar da OAB-SP (Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil), afirma que o governo não tem pessoal suficiente para fazer o acompanhamento estatístico individual do FAP. Ele também questiona os critérios utilizados no cálculo. 

“O controle de acidentes não está totalmente na mão das empresas. Pode tanto haver falha humana quanto de equipamento; vários acidentes num ano e nenhum em outro. A empresa quer os trabalhadores mais qualificados, mas às vezes eles próprios não querem qualificação. A empresa será penalizada porque o trabalhador chega bêbado, por exemplo?”, questiona. Pastore acredita que se o governo passasse a responsabilidade pelos seguros de acidentes de trabalho para a esfera privada, haveria maior comprometimento com a questão da acidentalidade.